18 de junho de 2009

BEM-VINDO A ANDARA: Foed Castro Chamma





O Pássaro Curau dá as boas-vindas em Andara
a Foed Castro Chamma, autor de Pedra da Transmutação. VFC



O SER E O REAL



Foed Castro Chamma




Entre o Ser e o real medeia o pensamento, cuja dimensão é a de um vôo inimaginável. Funde-se ao pensamento a energia criadora de que é composta, em primeiro plano, a imaginação. O paradoxo da negação é análogo ao fogo, à água, ao ar, à Terra, que se move em torno do Sol. O pensamento ao deslocar-se é uma faísca do Sol, cujo raio fertiliza os elementos.
Que é movimento senão pulsão e encadeamento da energia que fertiliza a terra, da qual nasce o homem e evolui em sua química, reabsorvendo a água e o ar que gera o som e produz a voz, a palavra? A negação produz o movimento que reveste de som a imagem, matéria de luz em extensão e realidade como o pensamento.
Ar, água, fogo, terra correspondem a princípios que se opõem, afirma Empédocles de Agrigento. Onde a negação espelha o real desencadeia-se o nexo da sombra tal um duplo a ocultar o Ausente, que se recolhe à medida do real como fulguração do raio a plasmar o encontro do eu espelhando a imagem concentrada na imaginação e transformada em realidade. A imagem organiza-se com o movimento que desata o nó da negação, vinculando-se à Forma. O dramático sentido da Forma configura a representação a emoldurar o discurso que corresponde à diferença voltada para a semelhança com um duplo. A representação do ser corresponde à Forma, cujo universo envolve o pensamento na contextura temporal do imaginário, a cujos meandros a sombra se recolhe sem desvencilhar-se do duplo ao qual subjuga, sendo o pensamento negação cristalizado nos atos, de modo a produzir a sedimentação de cenas reais quais clarões impressos no ar tal o mito na realidade. Enquanto negação o pensamento é "mergulhado no erro". A matéria do sonho tem na luz em movimento o raio como testemunha.
Duplo é o ser, duplo do raio como sombra na contradição dos opostos, cuja pulsão originária move-se em direção ao Sol, que une os opostos e os transmuda em identidade. A consagração do raio tem como espelho a luz, que ao Fogo corresponde, configurando a imagem, de cujo núcleo a realidade se desenrola delineando na pluralidade a igualdade, encobrindo tal isonomia o conflito da representação do ser.
Como diferença a realidade é identidade, implicando luz o simbólico enquanto espelho do ser, pois a imagem projeta-se de modo a incorporar-se à realidade. A contradição dos opostos tem como síntese a Identidade, que o sujeito celebra como agente retornante da representação do ser. Como síntese enantiomorfa do ser, do qual é expressão a Forma, encontra o sujeito na ação o sacrifício originário do conflito cuja causa é negatividade. Identidade e Diferença configuram o conflito ao nível dramático da representação do ser.
No duplo está a negação a espelhar na Semelhança a diferença. Tal relação corresponde ao descontínuo que o simbólico espelha, cuja sincronia corresponde ao juízo sintético em contraposição ao conceptual, ou julgamento analítico, que se desenvolve no plano da semelhança onde a Ordem e a Lei mantêm implicitamente a projeção estrutural do simbólico no sistema político e social, correspondendo espaço e tempo a composição embrionária que irá desdobrar-se na tripla relação originária do sujeito no Sistema.
Como desdobramento da negação a identidade subsume a dimensão isomórfica da lógica da razão, de maneira a organizar-se o sujeito sob a tutela do Logos como reflexo da estrutura embrionária, cujo canal remete à Identidade. O discurso desenrola-se de modo a refletir o eixo que configura, segundo Kant, a origem dos Códigos. No Apêndice à Crítica da razão pura Kant coloca no Cap. II da 2ª seção, §17 em relação à Tábua das Categorias, de Aristóteles, o princípio da unidade sintética da percepção como princípio supremo de todo uso d entendimento.
A representação do ser implica liberdade e necessidade a refletir a Ordem qual pressuposto da Lei que o pensamento, invisível, permeia como diferença na trilha obscura da representação, configurando a Identidade, pois a pluralidade sensível dispõe de liberdade na necessidade. O axioma filosófico se coloca como dialética da Identidade que a Lei impõe em relação ao fazer e aos fatos.
Segundo Aristóteles a pluralidade sensível (Cf. Tábua das Categorias) está no código da Natureza, cujas linhas geometrizam o ser na folha dos arbustos, na raiz das plantas, nas pedras, no curso dos rios, nos corredores subterrâneos onde todos os metais têm seus veios inscritos, ou à flor d´água. No Código estão as marcas, semelhanças e correspondências que Aristóteles observou, tal como o Número, legenda do múltiplo, de Pitágoras.
A Pessoa tem na natureza o desenho que se repete como inscrição e similitude. O ser é uno e múltiplo em sua diversidade. A Forma acolhe o ser nos atos como paradoxal projeção do que nega e imita. Análogo ao real na Forma o sujeito espelha a imagem, configurando o imaginário, pois na negatividade o sujeito é antes imaginação, a saber imagem a produzir o phaon, i.e. a fantasia.
A Pessoa tem como unidade a consciência a emergir da negação enquanto Identidade e Ipseidade, cujo sentido é o da igualdade nos atos. A Identidade é colocada na Crítica como de uso estético da razão. A conotação ambígua da Identidade configura por outro lado o uso prático da razão, deslocando-se os atos para o âmbito da produção, a qual corresponde a uma forma de linguagem interpretada pelos Estóicos como uma Ética. A síntese parmenidica (ser e pensar) concebe na ambigüidade Ipseidade e Identidade como Presença, o aqui e agora de uma translúcida consciência, que Kant coloca como positio.
Do uno à pluralidade sensível o descontínuo desdobra-se no continuum da representação a nível dialógico, o qual faz da imagem o fundamento do ser da linguagem a desdobrar-se dialeticamente em objeto de produção, configurando-se deste modo a unidade formal enquanto modelo da lógica da linguagem. As marcas e sinais são o duplo atento de espelhos da semelhança, cuja leitura implica a decodificação da linguagem que se oferece como metáfora e se apresenta como o Outro da representação do ser. O mergulho na subjetividade captura a negação como fundamento do ser que o Outro representa, sendo espelho do outro enquanto semelhança, onde o conflito originário se desata à medida que se torna simétrico ao real na Forma, configurando deste modo a Identidade.
Por outro lado, o exercício do espírito criador busca na representação o que se manifesta como crise caracterizada no conflito da semelhança que se desloca dramaticamente para a obra de arte, a qual reúne os estilhaços da personalidade que se reorganiza à medida que a obra progride e se consuma, transformando-se a prática do saber em Conhecimento.
Pesquisas no campo da lingüística aprofundaram a relação entre lingue e parole, adaptando melhor o uso da linguagem a experiência e invenção ao ordenar o lado subjetivo do discurso, cuja semântica envolve a lógica do simbólico em relação à linguagem empírica, de modo a configurar historicamente uma crise semelhante à que ocorreu após a Primeira Guerra Mundial, quando o Absurdo instalou-se na literatura européia. O niilismo de um Fernando Pessoa, um Kafka, um Camus prenuncia o "pós-moderno". O neo-expressionismo retoma o delineamento assimétrico da diferença na pintura, envolvendo o estruturalismo francês dividido entre a semiótica barthesiana e o marxismo de Althusser. Com a revisão da Gramática Jacques Derrida aprofunda em De la Grammatologie a "desconstrução" de vocábulos que a arqueologia do Conhecimento de Michel Foucault escava em relação às cinco similitudes analisadas em As palavras e as coisas, ambos coerentes com os pré-socráticos, cujos Fragmentos comprovam o sentido ontológico da cultura ocidental em direção à individuação, que Nietzsche desenvolveu em relação ao homem que se supera no laboratório da vontade de saber.
A certeza de que a ancestralidade recobre a herança genética como componente da Identidade e comemoração intrínseca na linguagem tem seu fundamento no exercício de captura do espírito criador de reminiscências sepultadas na memória que emergem do inconsciente projetando no discurso a simbólica mítica de um lado, e, de outro, as pesquisas científicas, matemáticas, que sofrem o agenciamento experimental da física do plasma, da ótica quântica, da bioquímica, da engenharia genéntica. O saber renova-se em experiências que avançam, desenvolvendo a dialética existencial de modo a esvaziar tensões com o uso terápico da Música e do Canto, ou a celebração dos jogos de amor, cujo encontro e vitória são retornos sadios à Natureza.
Reativando o procedimento sensorial, afetivo, lúdico, empírico, a invenção e a técnica são práticas que implicam a comunhão do ser onde a representação tem como fundamento o desdobramento racional na superação do conflito, onde a causa é a negatividade a determinar o esforço de autoconservação, implicando a priori o saber e o fazer.
A invenção traz como experiência o Conhecimento. A nível empírico, os atos correspondem à práxis do saber. Fazer/saber são os dados correlatos da representação cuja reciprocidade enantiológica corresponde à Arte e à Ciência em seu desdobramento tecnológico. A retomada do Expressionismo europeu "pós moderno" questiona o historicismo, assegurando à linguagem poética a função de matematização do conflito como instrumento de elucidação da diferença no campo a priori do saber enquanto experiência e invenção, de modo a corresponder o "pós-moderno" à contestação ideológica "de conteúdo crítico e dimensão utópica" que atende à pulsão originária da negatividade em detrimento do arquetípico fazer/saber, fundamento renovador da Identidade Cultural na trilha do pensamento parmenidiano que afirma o ser.
Ao prenunciar o caos e denunciar a utopia o "pós-moderno" escava os subterrâneos do saber e do Conhecimento, contrariando a tese da besta negra do desconstrucionismo, da hermenêutica, na busca do eu individual, cuja transcendência o físico tenta elucidar e o artista convive revendo a escolástica ao cumprir o destino do poema, que Aristóteles chamava de animal.
A linguagem poética é inesgotável ao abordar a lógica do simbólico cuja característica possui o sutilíssimo enunciado de uma equação que definiria o Todo-Uno, o Hen Panta anunciado por Xenófones de Colofão (570-528 aC), místico e filósofo grego. A suposição de que a linearidade do discurso ao projetar o ente na História esgota a prática do saber é um equívoco epistemológico que devolve à Forma o ponto culminante de uma linhagem que se desenrola do raio e ao raio retorna, cumprindo assim o ciclo do eterno retorno.
A Forma corresponde ao ser da linguagem, na medida em que o Signo se reveste da imagem ao sustentar com o símbolo a dualidade originária da negação do real. Forma é o estádio derradeiro de concentração e espelhamento da imagem, a qual por outro lado se deforma ao sujeitar-se à diferença, longe portanto do domínio da razão.
Enquanto concentração a Arte concebe dimensão que está além da máscara da representação a associar à Forma a imagem como agente do eu, que se desoculta na linguagem predisposto ao saber e, portanto, ao Conhecimento. O saber é uma realidade que os aedos utilizavam nas rapsódias como alegorias revestidas de Beleza e Verdade. O saber é a realidade sob a capa do Conhecimento que, ao lado da ciência, se transformou em tecnologia do saber ao robotizar a memória em função de um Acaso capaz de devolver o elo perdido da simbólica mítica com o esvaziamento da palavra, i.e o Mito. Ésquilo refere-se ao riso enumerável do mar. Tal é o saber: uma alegoria que desponta como metáfora para o Conhecimento. Análoga é a alegoria do herói, herança do convívio com os deuses, na Idade de Ouro, que se perpetua com a experiência cuja essência é a da Identidade Cultural que resiste aos desígnios críticos da História.
A necessidade de retorno ao real onde o ser perpetua-se na Forma é, paradoxalmente, a liberdade de produção do saber, do qual a Máscara é simulacro, que os Estóicos "delimitaram como de autonomia do sujeito, instituindo por analogia com a representação teatral essa metáfora que somos, a Pessoa." Cf. Jaa Torrano, Origem dos Deuses, Estudo e tradução, Massao Ohno-Roswitha Kempf Editores, p.58 e 59.
A Coisa em si, dada como inapreensível, converte-se em objeto de produção e identidade. É o sujeito da representação. Implicando a Pessoa simulacro da representação, o sujeito a configurar a duplicidade do ser, a pluralidade sensível engloba o mítico e o racional. Mergulhado no Nada enquanto representação o eu é o Ausente, relegado à fantasmática condição de Presença perdido na dualidade do Mesmo. O Outro é representação especular a refletir o real como objeto de comemoração do ser da linguagem.
Manifestações coletivas de grupos reivindicando individuação, autodefinindo-se em atividades artesanais, de Oficina, ou em Meditação, à procura da unidade interna através de exercício redutor da pressão interna que estilhaça a personalidade, são hábitos que se diversificam em atividades que vão do convívio em grêmio a esportes como natação, alpinismo, excursões. O convívio comunitário é uma prática que não dissimula a urgência da comunhão ecológica em face do avanço tecnológico. A ameaça nuclear induz ao estudo de filosofia, ao exercício da poesia, ao incauto uso de drogas como dúbia resposta à paz interna ameaçada. Tais procedimentos ocorrem de modo diverso, indefinido, sem que se dêem conta da qualidade de vida que buscam. Em muitos a prática social é a das antigas confrarias onde o mestre é aprendiz e companheiro. A opção estende-se do teatro à cerâmica, à gravura, a trabalhos com o cobre e outros metais, ao acampamento, à dança, ao canto, ao exotismo do traje e mesmo ao nudismo, segundo a exaltação e alegria de viver. As atividades ampliam-se, chegando a grandes concentrações esportivas nos estádios e no campo com o rock´n'roll atingindo quase todas as categorias sociais entre os jovens. Tal expansão coletiva corresponde à vitória íntima que o indivíduo procura na esperança de aplacar a crise emocional que o assalta de modo sorrateiro.
O conflito produz o vazio demarcador da alteridade. Vulnerável, o sujeito encoberta o eu como a ocultar o pensamento que através do Sentido o faz mover-se no abismo insuspeitado da negação, colocando-se dessa maneira entre a razão e a desrazão.
A substância mineral do ser contém no sangue o Fogo que o pensamento resume no raio a avivar a memória, a espelhar a realidade, recriando assim o mundo que reproduz com a imagem a Voz, que aviva o mito. Integrando a dualidade na linguagem a imagem espelha o pensamento, completando-se sua extensão nos f(ato)s. A representação do ser desdobra-se da lógica do simbólico à concretude dos atos, os quais se desenvolvem revestidos da matéria do sonho que funda a realidade como moldura da representação. A memória agencia a linguagem através da palavra que atravessa a negrura luminosa do pensamento ao produzir a matéria de luz do sonho que se transforma na figura de contornos fugidios do duplo, de movimentos curtos, ligeiros, breves como o tempo, que desata do real a memória e a musa, filha de Zeus, recolhe. A Forma que lhe dá corpo na fuga por galerias entre enumeráveis espelhos que se repetem e são iguais a labirintos é como a pedra acesa da palavra. Com a memória ilumina-se a negatividade e se transmuda no ser da linguagem. O pensamento concede à Forma a cópia que o movimento representa e estende à linguagem transfigurada pelo mito.
A forma é o ser da linguagem. Qual o sentido da negatividade em relação ao imaginário? Medeando a negação o conflito da representação produz o imaginário a emergir dos fatos, os quais correspondem ao conflito da semelhança, cuja carga especular ao deslocar-se configura uma obscura constelação, de imagens como um duplo, subjacente, cuja captura é obtida através da linguagem poética enquanto praxe do saber enriquecida pela simbologia mítica do imaginário de maneira a corresponder à lógica da razão.
Convocando os arquétipos da representação que atendem aos apelos do eu na queda, o sujeito mantém o empenho em furar as trevas da negação que, lúcido, atravessa, acendendo na floresta o incêndio que queima os sentidos. O imaginário esvazia-se à medida que o duplo é aclarado pelo exercício do espírito criador. Reduzido a sinais a nutrir o imaginário, o duplo transmuda-se na síntese que a linguagem captura, incorporando-se o conflito à realidade do simbólico, de maneira a integrar o mítico ao racional, cujo empenho corresponde à prática do espírito criador, do qual o eu que permanece como diferença no abismo da subjetividade emerge, alinhando-se como artífice da fábula que reúne em sua circularidade a unidade, a qual se mantém entre dois campos e a linguagem comemora. Desdobrado em função de elucidar o mito e reorganizar-se, o eu incorpora-se à linguagem, correspondendo ao Fogo originário, o Logos, presente na figura especular do duplo como eco ou princípio orgânico, que se desdobra do sujeito e projeta-se como semelhança no imaginário e a linguagem recolhe como metáfora a configurar os sinais do duplo, objeto de leitura, que o espelho emite qual substância do pensamento e por fim transmuda em objeto do saber.
Sem deter-se no esforço de desvelar o que o duplo representa enquanto simulacro a imitar o verdadeiro, sem considerar a estranheza de que é possuído diante do Análogo, na revelação que faz, sendo em si mesmo o duplo e o outro do outro, o eu transforma-se e se constitui em caçador de si na fuga. O Fogo é matéria transfiguradora a delinear a realidade originária da negação, que mantém desperta a centelha do pensamento iluminando o abismo que conduz na queda o eu ao encontro de si na fuga cujo caminho, trevoso, acumula a contradição dos opostos a dar origem ao conflito e confunde-se com o semelhante a espelhar a linha assimétrica, labiríntica, vertiginosa do pensamento.
Fundamenta-se o pensamento na negatividade como primeiro degrau da Identidade a acolher o eu na leitura silenciosa do que se nivela ao real, cuja relação com o ser tem na imagem o imaginário e no sujeito o senso estético da razão. O ser é o dado alegórico da Forma, que se coloca no plano da representação como Identidade, a qual não apenas corresponde à razão como também ao simbólico enquanto revelação intrínseca da diferença, anterior portanto ao que recolhe o pensamento, a saber o logos. Sua recomposição na linguagem é a da diferença transmudada em Identidade. A palavra é o mito que transforma a negatividade em iluminação e a linguagem comemora, como "a menina que namora o sol na água". A Forma converte-se em linguagem e objeto de comemoração, implicando a divisão no simbólico associado à Menina a evocar a alegoria fálica do Sol.
Como mito o duplo corresponde ao simbólico que se projeta nos atos de maneira a transformar-se em Identidade. O mito corresponde aos fatos. É referencial dos atos no sentido redutor da imagem como ícone que evolui na composição da Identidade.
Corresponde o mito ao duplo, implicando o cerimonial arcaico da palavra que, em princípio, revelava o que se convertia nos fatos, atos e fatos transformados em fábulas de heróis míticos ou deuses. De modo a corresponder o mito ao "feito e ao verdadeiro" na acepção de Vico, que diz na Ciência Nova ser a fala heróica do mito a da Semelhança. O mito é pois o ser da representação. Como espelho da semelhança serve (o mito) ao trânsito do verossímil transformado em metáfora, de maneira a configurar o duplo o que o ser é, a saber o Outro. O mito é o indicador silencioso da máscara a ocultar o pensamento, o qual corresponde como diferença ao simbólico que transcende a semelhança enquanto Identidade. Ao desdobrar-se da negação no ser e pensar o sujeito corresponde à Identidade. Pensar o real é conceber a dualidade na sincronia do pensamento que a linguagem comemora.
Enquanto complemento da Identidade o simbólico é a diferença a produzir o conflito da semelhança, e agenciar por outro lado o imaginário de modo a corresponder à negatividade, instância em que a linguagem poética promove a captura do simbólico, em cujo âmbito transparece a matéria do sonho encadeada à legião em Combate sob a trama do imaginário.
O simbólico corresponde à diferença em relação ao que o pensamento nega, a saber o real. Opondo-se ao real o sujeito perde-se no labirinto de espelhos da semelhança onde um é o outro do outro. Nesse sentido a captura do duplo anula a dissimetria da negação em relação ao sujeito de maneira a neutralizar no espelho o mítico ao tornar-se racional. Nesta condição o Ausente assiste a si próprio no espelho ao defrontar-se com o duplo. O exercício do espírito criador conduz à leitura do simbólico, o qual identifica-se com a legião incorporada ao imaginário, passando o duplo a corresponder ao observador neutro do conflito e sujeito concomitante da representação.
Ao recolher-se como imagem e símbolo na linguagem o duplo é em si a fulguração do raio que se delineia como sombra em palavras e números, representando unidades estruturais cujo teor mítico e/ou racional corresponde ao juízo sintético ou analítico, respectivamente, os quais são componentes da matematização do simbólico realizada com a leitura do conflito.
As letras e os números são fulgurações simbólicas codificadas de maneira a servir de nexo da linguagem em incursões sisntéticas do saber que se transforma em engenharia do acontecimento, correspondendo a uma arquitetura inesgotável, tal a torre de Babel que, ao acumular línguas, guardava em sua origem o eu.
O significante é o eixo da linguagem e núcleo da representação do ser. Na construção da torre ao estender-se à procura do significado o eu se voltou para um horizonte que correspondesse ao significante e encontrou o duplo, em cujo âmbito observou o conflito da semelhança. A torre de Babel é uma alegoria da unidade, pluralidade e totalidade. O Signo tem sua correspondência vocabular na linguagem que o pensamento acompanha como substância em extensão de imagem e símbolo. O pensamento desdobra-se portanto na realidade. A contingência temporal configurada no drama em que se delineia o conflito da representação projeta-se na figura do duplo. O Outro é o duplo de um eu que armazena no imaginário o discurso do simbólico, cuja lógica se submete à interpretação e reconhecimento do duplo a aplacar o pensamento que espelha a produção do sonho no imaginário, carregado pois do estigma da negatividade que retém o Outro voltado para o Sentido a delinear o duplo.
Com a negação se cumpre o rito da representação que a lógica do simbólico permeia ao configurar o imaginário, a cuja interpretação o sujeito se volta compondo alegorias que refletem o duplo, desfrutando o eu a magnitude emblemática de observador, de modo a capturar o que se delineia na sincronia do simbólico. A defrontação do sujeito com o duplo é obra do imaginário.
O estigma da negação corresponde à emulação do duplo, que se estende com a representação aos graus da realidade, ocupando o espaço como espelho do Outro. Artífice da duplicidade o pensar é o aditus maligni do ser a transitar por dimensões insuspeitadas, onde Phaon é a máscara da representação. O que se presenta é a imagem indicadora do símbolo, emblema da memória, portanto o duplo enquanto categoria estrutural desdobrada da unidade embrionária a configurar a relaçãoa tripla projetada na oração, a qual configura a alteridade que corresponde ao ser e pensar, que Heráclito via como ignem aeternum ou fulguração do raio.
À linguagem corresponde o drama que se desenrola da diferença, erigindo-se em representação a desdobrar o múltiplo na totalidade recriadora do conflito como potência da vontade, da qual o pensar é a causa a se projetar nos estilhaços da contradição dos opostos, que o pessimismo de Anaximandro (610-547 aC) concebeu como Justiça (dikia) e, no Latim, passou a corresponder a dico, dicere, i.e o falar transformou-se em virtude no sentido de honra.
Como matéria do sonho o pensamento produz a realidade, permanecendo Ausente o eu como intérprete da representação. Antítese pois do real, o pensar conduz o fulgurante raio, que dirige o curso das coisas. Cf. Heráclito, Fragmento 64 D.K. O pensamento é o centro dos pares de opostos no drama cosmovital que produz cintilações obscurecidas pela razão, revelando cenas ligeiras de figuras ignotas que reaparecem como invenção e são coladas à realidade pelo Sentido. O imaginário urde a negatividade, revelando imagens que se nutrem de maneira a reatar os estádios da representação que se repetem nos (f)atos, onde o fugaz é capturado, o que advém da treva do sonho, e estende-se ao cenário de luz que a realidade ordena como Identidade. Cristaliza-se pois a Identidade na implicação temporal do que produz na duração o continuum a encadear os opostos. Ao ser corresponde a linguagem que atinge a babélica condição do trigo que se transformou em alimento. O pensar reveste-se da Forma na linguagem através da máscara que o som atravessa qual matéria de luz da qual se nutre, tornando-se o ar o fogo invisível exposto à análise, à observação. O fogo é substância cuja fulguração faz crepitar a imagem como chispa que anima a realidade reativando a representação do ser. Produz as figuras que mascaram o conflito, sendo o eu o intérprete de si mesmo, projetado no Outro, que se conduz de modo a reproduzir-se na negatividade como o duplo.
A negação produz o movimento de sombras que evoluem do sonho para o plano concreto da representação onde os atos configuram o espelhamento do Outro, a cuja dualidade o sujeito se volta subsumindo a contradição que se renova na trama do imaginário desdobrado da negação e projetado no duplo, onde o gesto é contrafação, tal o simbólico, contrafação do ato e elo de uma cadeia de negatividade a encerrar a Möira ou Destino. Tal é a trágica configuração do ser que o pensamento encerra enquanto substância e extensão.
A representação tem nos atos a dialética do ser, implicando determinação o produzir-se o eu como sujeito ou Consciência de si, lá onde a dissolução do imaginário que se dá na linguagem encadeia o plano da razão. Os atos são instâncias derradeiras da Identidade. Os componentes metafísicos a ela se incorporam na medida em que os atos são o corpo simbólico da representação que se completa como Identidade. Tal leitura corresponde por outro lado à decodificação do que configura a ambigüidade da representação que se transmuda em Identidade.
Como projeção formal os atos correspondem ao ser da linguagem. O gesto, a fala e os atos são sinais, cuja leitura dá a medida do pensamento, produtor de tempo e linguagem. O sonho configura tal projeção, cuja interpretação reata os vínculos intemporais do ser. A dimensão do sonho é a mesma encontrada no espelho. O que se observa não se toca, sabe-se ali e desaparece na intangibilidade de si mesmo, inconsistente e abstrato, igual ao pensamento, que some e reaparece sem estar em lugar nenhum. De ubíqua condição, o pensamento é representação e espelho a refletir a Forma que possui a configuração da Semelhança e dá corpo ao pensamento, petrificando-o, i.e consumando o corolário da negação.
Enquanto diferença a projeção nos atos encerra o périplo do pensamento, do qual o sonho é a revelação do ser a perpetuar-se na realidade. Os atos concentram a reciprocidade de uma relação que culmina como Identidade e revelação do que se projeta criticamente como representação, correspondendo ao entis rationis, cuja denominação se constitui em grande problema, segundo Heidegger, para a Fenomenologia.
A Pessoa oscila entre a dissimetria da diferença e a Identidade, permeando a lógica predominante da razão, sob o julgamento da consciência que discerne a tensão dos atos, o sacrifício implicando superação, elevado à contingência mítica da linguagem em níveis que vão do entusiasmo à dor no desdobrar do sonho à realidade, cuja fulguração pertence à Möira a conduzir o ser do ente. A interação da Forma a espelhar a imagem recompõe o imaginário, cuja plenitude configura o drama metafísico, a angústia existencial decorrente da finitude. A Máscara é a medida da tragédia, cujos contornos possuem a harmonia feita da tensão do arco, como diz o Frag. 51 D.K.