16 de junho de 2009

Márcia Tiburi na Casa das Musas











ENTREVISTA


Lívio Oliveira: O que diferencia, essencialmente, a filosofia da literatura?



Márcia Tiburi: T. São dois campos tão próximos e tão distantes que falar de uma diferença pode ser complicado. A diferença é que a filosofia não precisa ser escrita, que ela é evento, é acontecimento. É mais essencial que falemos de filosofia entre nós, do que escrevamos sobre ela. A literatura, por sua vez, é escritura, depende da escrita e se faz por meio dela. A rigor, um filósofo não precisaria escrever nada desde que ele possa realizar seu trabalho de pensamento na comunidade com a qual dialoga.



L.O. Por que a afirmação de que a filosofia acadêmica é hoje "um cadáver"?



M. T. Usei esta metáfora para causar atenção. Referia-me ao fato de que certas coisas morrem, neste sentido, que a história da filosofia que se tenta, no mundo acadêmico, fazer passar pela filosofia como um todo. Esta é uma idéia que perdeu seu sentido, pois não estamos mais no período da ditadura em que filósofos se escondiam do regime e preservavam a filosofia dizendo que estavam só estudando história do pensamento, colocando assim a filosofia num lugar inerte e não perigoso. Mas, se é um cadáver em nossas mãos, também devemos dissecá-lo para entender sua anatomia.



L.O. Você se considera uma filósofa "pop"? Isso lhe incomodaria ou lhe seria útil?



M. T. Realmente não penso nestes termos. Mas acho engraçado, enquanto nem me agrada nem me desagrada. Acho que para o papa ser pop foi bom. Talvez para mim, ou para quem gosta de filosofia, também seja. Que a filosofia como tal se torne pop, creio que é ótimo. Torna o gesto crítico do pensamento, que é a filosofia, algo mais democrático. Sendo uma professora de universidade como sou, espero que isto também seja divertido para meus alunos, quem partilha comigo a filosofia mais de perto.



L.O. Como você convive (e que disciplina você trabalha) com as múltiplas facetas do seu labor criativo e intelectual: a Filosofia, as letras, a televisão, além da mídia eletrônica e escrita em geral?



M. T. Não sei explicar isso. Eu sou uma pessoa hiperativa. Escrevo, leio, invento coisas o dia inteiro, o tempo todo. Talvez eu devesse responder a você como convivo com o não fazer nada. Mas como isto só me acontece raramente, fico sem entender como seria exatamente.



L.O. O silêncio é essencial?



M. T. Claro. É o que eu mais ouço.



L.O. A música ainda "toca"?



M. T. Raramente ouço alguma música diferente do som de meu marido ao violão. Quem vive perto de músicos acaba mais ouvindo ensaios e as músicas deles do que músicas em geral. Mas eu, em geral, não tenho tempo para ouvir música, assim como não tenho para ver Tv. O meu mundo é feito de livros.



L.O. O que vale mais: a ética ou a estética?



M. T. Toda ética tem uma estética, toda estética tem um ética.



L.O. Quais são suas principais referências intelectuais?



M. T. Não sei mais. Eu leio de tudo. Talvez o fato de que tenha estudado por dez anos a teoria da escola de Frankfurt, da teoria crítica, seja uma referência essencial. Mas gosto demais de Aristóteles, Nietzsche, Kant, Schopenhauer e de tudo o que se faz na filosofia contemporânea que é sempre o foco dos meus interesses.



L.O. Quais são suas preferências atuais de leitura? No Brasil, no mundo...



M. T. Leio coisas demais. Mas se pudesse passaria a vida lendo Melville, Gombrowicz, Lobo Antunes, Osman Lins, Borges, na literatura. Na filosofia leria de novo o que eu já li. Gosto muito hoje de um filósofo italiano chamado Giorgio Agamben.



L.O. Que valor possuem as "feiras" ou "festas" literárias, como a FLIP?



M. T. Acho todas uma maravilha. Divulgam livros e leitura. Tornam a literatura algo festivo e desejável. L.O. É possível, afinal, filosofar em português?


M. T. Em qualquer língua! Onde há linguagem (mesmo a das artes), aliás, é possível realizar o trabalho do conceito. A língua, por sua vez, providencia a condição do diálogo.



L.O. O centro geográfico (ou econômico) pode definir qualidade de escrita e escritores?



M. T. Não creio. Literatura depende de desejo e disciplina. Se não temos mais grandes escritores é porque não aparecem pessoas que queiram e trabalhem para construir uma grande literatura. No Pará, por exemplo, em Belém, há um dos maiores escritores brasileiros, que é o Vicente Franz Cecim. Ele não está no centro geográfico (aliás, onde fica?).





L.O. Qual é o lugar da literatura em sua vida?



M. T. A minha vida está situada na tensão entre a filosofia e a literatura.



L.O. A palavra move ou só comove?



M. T. Move, comove e é movida por nós. Fazemos com ela uma dupla banda.



L.O. Como definiria "consistência" no ato de criar, de escrever?


M. T. Escrever muito e sustentar o que se escreve.



L.O. O que lhe causa estranhamentos no Brasil atual? O que lhe incomoda?



M. T. A falta de atenção aos problemas e de respeito. A covardia dos poderosos também.



L.O. Como saber/conhecer sem nutrir culpa, num país como o nosso?



M. T. Culpado é quem não sabe/conhece.



L.O. Como a televisão poderia melhor atuar na formação cultural de um povo?



M. T. Tomem o poder. Façam a sua televisão. Não vejam o que não devem. Não vejam, se for preciso. Mas assumam o que fazem. Claro que projetos educacionais e culturais envolvendo a televisão são ótimos. Creio que eles existem cada vez mais até porque a televisão está cada vez mais ampla. A hegemonia tem seus dias contados.



L.O. Qual é o verdadeiro papel do escritor?



M. T. Verdadeiro? Escrever o que ele quiser e achar que deve.



L.O. O que o escritor busca "inscrever" no tempo?



M. T. Não faço idéia. Cada um deve ter uma vontade diferente.



L.O. Quais são as suas buscas, as suas metas essenciais na vida?



M. T. Viver em nome da minha liberdade possível, ter paz de espírito, fazer o que devo com as bandeiras que carrego.


Marcia Tiburi é graduada em filosofia e artes, mestre e doutora em filosofia. Publicou livros de filosofia, entre eles a antologia “As Mulheres e a Filosofia” (Editora Unisinos, 2002), “O Corpo Torturado” (Escritos, 2004), “Uma outra história da razão” (Ed. Unisinos, 2003), “Diálogo sobre o Corpo” (Escritos, 2004), “Filosofia Cinza - a melancolia e o corpo nas dobras da escrita” (Escritos, 2004). Em 2005 publicou “Metamorfoses do Conceito” (ed. UFRGS) e o primeiro romance da série Trilogia Íntima, “Magnólia”, que foi finalista do Jabuti em 2006. Em 2006 lançou o segundo volume “A Mulher de Costas” e, “Filosofia em Comum”, em 2008. É professora do programa de pós-graduação em Arte, Educação e História da Cultura da Universidade Mackenzie, do curso de formação de escritores da Academia Internacional de Cinema, colunista das revistas Cult e Vida Simples, e participante do programa Saia Justa, do canal GNT.