Maria João Cantinho – O que é Andara, que universo é esse?
Vicente Franz Cecim – Andara às vezes não é nada//É só uma estrada/onde uma sombra longa, de homens, de pó, vai passando//Um ventinho, vindo não se saberá nunca de onde, vem e desfaz o pó,/desfaz os homens//desfaz a sombra//Andara às vezes não é nada./Não é nada. - Esse é um dos possíveis dizeres sobre o que é, ou não é, Andara: está lá, logo na abertura do texto Música do sangue das estrelas contido no livro visível de Andara Ó Serdespanto, ainda inédito aqui no Brasil, que a Íman lançou, em 2001, aí em Portugal.* Há quem suspeite que Andara vem da palavra andar, e como há uma relação de rimas, ainda que inaudíveis, de laços de parentesco entre as duas palavras do título do não-livro Viagem a Andara, esses pensam que acharam o caminho. Pode ser o caminho, um deles, para Andara, mas certamente não é o Caminho, o Único: esse, nem eu sei, porque Andara apenas se escreve através de mim, em Transe Verbal, e muitos silêncios, cada vez mais longos vales de silêncios a atravessar. Mas para chegar aonde? Não sei. Eu por mim suspeito que Andara é só a Viagem: não parte de Lugar Algum, e mesmo talvez, em seu Segredo, querendo, não quer chegar – porque parece impossível, humanamente, assim só homens como somos, chegarmos – a Algum Lugar. Já estamos no Lugar do Humano. Que é um lugarzinho imenso. Posso continuar tentando dizer o que é Andara, mas será sempre inútil. Quer ver? Repito o que já disse em outra entrevista à revista brasileira Azougue: - Andara sou eu, me vivendo em sonhos de Escritura de mim mesmo. Ou: - Em relação à literatura, Andara não é mais Literatura, é Escritura e desvio onto-introspectivo, em relação à Literatura. Continuo tentando? Não sei bem para que, mas tentemos: - Andara é Coisa que viaja por dentro e no sentido inverso: quer retornar dos dedos dos pés ao calcanhar de Aquiles do homem, ali onde ele é mais sensível à Hipótese Onírica e Lúdica e Naturalmente Sagrada da vida. Andara quer a Origem, o Antes do ponto em que tudo começou a se perder do Todo, o ponto oculto de nós, homens, que só se consente a nós em Relances, Vislumbres. Se ela quer alguma coisa – é Isso. Eles também me perguntaram, estou relendo a entrevista agora: - E esses vislumbres em Andara permitem ver o que? - O Onde e o Quando o natural e o sobrenatural ainda não haviam sido deformados como oposições que se excluem mutuamente, foi o que respondi. E essa é uma resposta que mantenho: - Andara se opõe à Matriz dos dualismos. De todos os dualismos. Ela é Demanda do Um através do Vários. - Mas vê, Maria, o quanto eu também sou vítima do fascínio de Des-cifrar Andara. Falei tanto, não disse quase nada. E Cifrei mais ainda Andara. Nossa Tribo Peregrina por todos os recantos do Real e dos Sonhos
Fragmento da Entrevista Nossa Tribo Peregrina
* A edição brasileira de Ó Serdespanto saiu em 2006, pela Bertrand Brasil.