21 de agosto de 2009

Pergunte ao Pó


John Fante





No fim da fileira de barracas, a areia da praia começou. Além, estavam as dunas. Caminhei afundando os pés na areia até um lugar onde as dunas escondiam o passeio de tábuas. Aquilo requeria alguma meditação. Não me ajoelhei; sentei-me e observei as ondas comendo a praia. Isto é mau, Arturo. Você leu Nietzsche, você leu Voltaire, deveria saber. Mas o raciocínio não ajudava. Eu podia me livrar daquilo por meio do raciocínio, mas não era o meu sangue. Era o meu sangue que me mantinha vivo, era o meu sangue que corria por meu corpo, dizendo-me que aquilo era errado. Fiquei sentado ali e entreguei-me ao meu sangue, deixei que levasse nadando até o mar profundo dos meus primórdios. Vera Rivken, Arturo Bandini. Não era par aser assim: nunca fora para ser assim. Eu estava errado. Cometera um pecado mortal. Podia equacioná-lo matemática, filosófica, psicologicamente: podia prová-lo por uma dúzia de maneiras, mas estava errado, pois não havia como negar o ritmo quente e compassado da minha culpa.Doente na alma, tentei encarar a provação de buscar perdão. Mas de quem? De que Deus, de que Cristo? Eram mitos em que eu certa vez acreditara e agora eram crenças que eu considerava mitos. Este é o mar, e este é Arturo, o mar é real e Arturo o considera real. Então me afasto do mar e, por toda parte onde olho, vejo terra; sigo caminhando e a terra vai se estendendo até o horizonte. Um ano, cinco anos, dez anos e não vi o mar. Digo a mim mesmo, mas o que aconteceu ao mar? E respondo: o mar está ali de volta, de volta no reservatório da memória. O mar é um mito. Nunca houve um mar. Mas havia um mar! Eu lhes digo que nasci à beira-mar! Banhei-me nas águas do mar! Deu-me alimento e deu-me paz e suas fascinantes distâncias alimentaram meus sonhos! Não, Arturo, nunca houve um mar. Você sonha e deseja, mas atravessa a terra desolada. Nunca verá o mar de novo. Era um mito em que certa vez acreditou. Mas tenho de sorrir, porque o sal do mar está no meu sangue e podem existir dez mil estradas sobre a terra, mas nunca irão me confundir, pois o sangue do meu coração sempre voltará para a bela fonte.