29 de agosto de 2009

para subir montanhas Murmurantes



Vicente Franz Cecim














Ali,

onde em cada corpo humano há um homem só



onde se reunem para as Festas do Medo


passa uma Ave que nos vê: Espelhos ocultos em espelhos

Cinzas

dos Campos de Silêncio
semeados
de
Vida Ausente cada um em si


E Odor

vindo do Círculo do Horizonte
guiar


os Passos a não dar,



pois estás Aí, Fantasma


da Amizade

Ponte



que sonha a Alucinação dos Gestos

28 de agosto de 2009

Silêncio dos nomes

Vicente Franz Cecim




Indiferente e lento

mas como um movimento Adormecido


E no Deserto verde

diante de uma Casa de Penumbra


Quem saberia
o que dizer desta Paisagem onde um homem

semeado

diante de uma casa em um deserto verde


espera



Indiferente e Lento

Mas com um movimento Adormecido


Antes da Aurora















E a Vida, num Sussurro, ainda não nasceu em parte alguma

Lua das idades

Vicente Franz Cecim




Sob o Cílio submerso


Onde um sol jamais ilumina



E no ar mais Elevado, vendo a Ave respirando o Pó

da Terra


Onde não houve o que Ver, do que passou na Noite


E depois das Lentidões e Cantos


E Antigo como um homem de Madeira na janela,


















se abrindo


futuante

aos Oceanos



E no fundo de Ti

Residência Profunda

Vicente Franz Cecim






só tens a ti




e um Gesto se desfaz no Ar





Fala da Ponte


onde a Palavra, oca, simula madeira






Para onde te voltes, não estás





E Ninguém



que seja Alguém espera, Se não existes










Dizer: Espelho de miragens




E Despertar dos Sentimentos de Ausência,





abandonar os pés:


já não se movam nem te mantenham em ti






E no entanto uma Ave canta



A Tarde já foi Manhã

e há Leitos com promessas de Ternuras






À noite, acolhe a Tua Penumbra








Tu lembras o Nome vago que não dizes
Teu Alento ergue o Pó até teus olhos
Um animal antigo ainda é teu Irmão
Há Luta preenchendo o intervalo dos seres
Um pensamento Deserto se nutre de areia
Há ondas de Lágrimas nos Oceanos, longe
Cinzas retornando ao Fogo, com branduras
Ossos de Flautas, ouves, se Incineram





E no entanto, uma Ave canta



e és aquático como: No Princípio Era o Verbo,


sobre as Águas







Silêncio Silêncio






Na Tarde houve uma Manhã






Só tens a Ti,


e um Gesto se desfaz no ar




















O que passou na Noite e não foi visto



Vicente Franz Cecim




Nada,



















e mais Além


uma esperança de Murmúrios


27 de agosto de 2009

Mais simples que o sono da pedra

Vicente Franz Cecim


























agora vem Aquele

que lança para Ti
tua mão cheia de ervas, e não há Eras entre dois homens de limo



Agora,

te ouve em Teus Ouvidos te fala nos Teus Lábios E já Sabias o que te diz
com gestos de aprendiz de Vinho e Sangue


Está te olhando dos Teus Olhos

Contempla:
é a Paisagem das Espécies

onde se faz a Colheita dos Dons


nenhum Espelho Nenhum espelho



O Semeado



Agora,
estás onde Só
tu Te Esperas

26 de agosto de 2009

Kafka: Robinson Crusoé


Não tivesse Robinson abandonado o ponto mais alto


ou com mais exatidão, o mais visível


da Ilha,


por desconsolo

ou humildade

ou medo

ou ignorância

ou nostalgia


e logo teria sucumbido


Mas uma vez que, sem fazer caso dos navios

com suas fracas lunetas, se pôs a explorar a sua Ilha

e a se contentar com ela,


se manteve com vida


e sempre tornou a ser encontrado,

numa sequência de fatos encadeados de maneira

razoavelmente necessária



Casa de Kafka, em Praga

25 de agosto de 2009

Vida/Escrita

Para que serve então a vida-escrita?

— É um instrumento, para ver, tentar abrir, dobrar a dobra, insistindo.


vFc: Ó Serdespanto (Íman, Lisboa, 2001/Bertrand Brasil, Rio, 2006)

Movimento na paisagem invisível

Nilson Oliveira




Encontramos na viagem de Vicente Franz Cecim a paisagem de um livro só, mas a constituição desse livro é tão intensa que percorre toda uma vida, ou seja, é constituída a partir de um tempo, logo, é atravessada por uma duração. Nessa esfera O Livro erige suas próprias formulas fraturando os sintomas do momento, embarcando num tempo ontológico, dilatando de um lugar a outro, constituindo o infinito de uma viagem que se revela por o nome de Andara. Espaço onde se desmarcam todos os espaços, grau zero da escrita, onde tudo recomeça na diferença, engendrando uma geografia imaginária, numa escrita que se faz e refaz continuamente. É por vezes “K O escuro da semente”, noutras “Ó Serdespanto” ou “O Livro invisível”; tudo forma uma imensa constelação, onde seu arquiteto desaparece no branco das suas páginas, mas renasce com mais saúde na penumbra da paisagem seguinte.

Aganbem, espanto e palavra fraturada

Alberto Pucheu


Na ausência de conhecimento, sem caminhos, sem saídas, perplexos diante da constante aporia que a vida nos impõe, diz Aristóteles, é através do espanto que, de certo modo, poetas e filósofos são o mesmo. Assim, Ó Serdespanto é o homem que, através do indiscernível entre o originário do filosófico e do poético (“Eu sou a origem. Eu estou Lá na origem de tudo”), faz a vida como ela é – Andara – comparecer no corpo do livro. Enquanto que, na hegemonia da história do pensamento ocidental, essas duas experiências do pensamento e da linguagem estiveram cindidas, Ó Serdespanto aposta numa junção entre elas, respondendo com exemplaridade à requisição feita por Giorgio Agamben quanto à “urgência para nossa cultura de reencontrar a unidade de sua palavra fraturada”. (Verso&Prosa, jornal O Globo)

23 de agosto de 2009

As vertigens da Iconescritura

Por Nilson Oliveira


uma passagem pelos abismos de K O escuro da semente














A poesia nunca conta histórias.

Oferece uma série de imagens.

Representando-as em minha memória,

apoderando-me de seu código,

posso elevar-me ao seu mistério.


Abbas Kiarostami



Algumas escrituras chamam atenção pela densidade da sua geografia, pela singularidade do seu estilo, pela força que transparece a cada nova obra empreendida. São essas escrituras que movimentam o espaço literário, estão sempre adiante, sendo sempre outras. Assim vemos os chamados livros de Andara, a literatura invisível. Na verdade não propriamente uma literatura, mas uma espécie de escritura do possível, engendrada por um sistema de palavras, que vem de livro a livro criando e reinventando a vida que passa e acontece dentro e fora da literatura. Os livros de Andara seguem essa rotina num movimento infinito; primitivo, absoluto, A-N-D-A-R-A, buscando na linguagem o que se encontra fora dela, como o afastamento dos Deuses, percebido por Hölderlin. Afastar-se de Deus para encontrar uma linguagem outra, aberta; o aberto aqui quer designar tão somente uma fala indeterminada que, por fora da linguagem estabelecida, se engendra em uma profusão de fluxos; são ondas intensas de pensamento e agitação motora, por onde os saberes se atravessam e multiplicam-se na velocidade de um devir. A linguagem de Andara volta-se sobre si própria, tornando-se um espaço de renovação, de reduplicação do que já foi dito pela linguagem, uma dobra. Nessa esfera onde havia uma identidade, ela se desfaz, não em nome de uma outra verdade, mas para dar lugar ao processo de singularização, de criação artística, movido pelos ventos dos acontecimentos. Todo acontecimento, dentro ou fora da linguagem, sempre provém de uma dobra. Com efeito, a escrita de Andara é uma dobra, uma abertura que areja o pensamento literário. A escritura de Andara é uma forma atravessada pela exterioridade e como tal uma realidade que constantemente se auto-engendra, feito uma lança arremessada ao porvir, sempre adiante. Mas segue em movimento próprio, impreciso, pouco perceptível como as escrituras que vagam subterrâneas, transcorrendo por outras margens, lançando sempre novas questões. A escrita de Andara expressa sua própria noção de temporalidade, seus textos se atravessam como um conjunto de anéis quebrados onde cada um expressa sua própria duração, enlaçados por fora de qualquer cronologia ou linearidade, perfilados numa estranha constelação onde a sua escritura ressoa como um mapa imaginário; o seu percurso é indeterminado, mas a viagem conduz sempre ao mesmo destino, Andara: Viagem a Andara, o livro invisível. Assim chegamos nas páginas quase desertas de K, O escuro da semente, nele ingressamos pela superfície, em uma viagem aérea; cartográfica, seus contornos nos parecem imensos, com uma forma híbrida, onde a vida parece jorrar por toda a sua latitude, nos objetos, nas coisas, por dentro e por fora do umanoh; suas personagens transitam como sonâmbulas, ora falando ora gesticulando ora voando, parecem envoltas por um sono perpétuo; dão-nos a impressão de uma vida nômade, silenciosa, mas intensamente vivida, visual. Essa impressão parece ser determinada pela consideração dos efeitos de espacialização, do aproveitamento, recursos da página e dos caracteres tipográficos porque é indissociável de uma situação temporal que a escritura cria de acordo com as próprias leis internas da sua construção, pois a escritura K é também Iconescritura: Há um tempo para a literatura / e um tempo para Escritura / há um tempo para Escritura / e um tempo para Iconescritura; assim lemos nas primeiras linhas de K e ficamos curiosos, Iconescritura, o que designa essa palavra? Talvez um ponto de intersecção no qual compreender é ver e ler. Mas também o entendimento simultâneo de dois sistemas diferenciados: imagem-escrita. Nessa esfera, o leitor é remetido de página a página do livro para um ponto em que esse agenciamento é executado, erigido por intensidades e forças que provêem do fora (o fora é uma permanente agitação de forças que desfaz a dobra e o seu dentro, diluindo a figura da subjetividade até que outra se perfile), em que é possível pensar a imagem e a escrita como possibilidade de um atravessamento, como irmãos siameses, que se designa como visível e enunciável, mas que só se pode ser concebido do exterior de uma escritura e sempre em função de um jogo de forças subterrâneo que desloca o sentido do que é dito ou mostrado. A leitura de K nos deixa um vestígio que nos parece evidente: a verdadeira imagem literária é muito mais do que uma representação do mundo por nós pensado, do mundo por nós vivido, ela acontece alhures, no aberto de uma superfície, mas exterior ao significado, se faz e refaz a todo instante; ela é a busca de horizontes possíveis, de possibilidades outras, encontráveis, talvez, no coração do indeterminado.

A leitura de K nos propõe um exercício intelectual que passa por um esforço de não acomodação que acontece como uma experiência cinematográfica, como o que nos propõe Tarkovski ou Sukúrov: uma ação ontológica.

Em análise prévia podemos afirmar que a leitura de K é também uma viagem visual - a Iconescritura - dá-nos a beleza do momento em sua captura, ela injeta mais movimento na permanência, mas por outro estabelece uma identidade absoluta entre movimento-escritura-imagem, e, com efeito, descobre um tempo que é a coexistência de todos os níveis da duração, a percepção da imagem que resulta no prolongamento do acontecimento. A escrita de K agencia esse prolongamento e movimenta a escritura para exigências de novos signos; leva a literatura para além do seu movimento.


Nilson Oliveira é editor da revista Polichinello. E-mail: nilson_olliveira@yahoo.com.br

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21 de agosto de 2009

Helás pour Moi






Um leve desvio como resultado do temor e do desespero é talvez o melhor caminho de nossa presença no mundo. Godard/Hélas pour Moi



Eis-me, portanto, sozinho sobre a terra, sem nenhum irmão, próximo, amigo ou companhia que a mim mesmo. Teria amado os homens apesar deles mesmos. Agora são para mim estranhos, desconhecidos, por fim insignificantes, pois assim o quiseram.Rousseau/Les Rêveries du Promeneur Solitaire



Minha poesia não consistirá em outra coisa senão em atacar, por todos os meios, o homem, esta besta fera, e o Criador que não deveria ter engendrado semelhante inseto. Lautréamont/Les Chant de Maldoror



Gostaria de poder me erguer entre os mortos, a cada dez anos, caminhar até uma banca de jornais e comprar alguns.Coms os jornais embaixo do braço, lívido, esbarrando nos muros, retornaria ao cemitério e leria os desastres do mundo, antes de tornar a dormir, satisfeito na proteção tranquila do túmulo. Buñuel/Mon Dernier Soupir



Uma espérie de terror nos assalta quando vemos esses seres mecanizados, aos quais nem as alegrias nem as dores parecem pertencer. Artaud/Le Théâtree son Double


Apesar das aparências, és uma natureza dotada de razão. É por isso que te exorto, em nome daquele cuja imagem rechaçaste e ocultas e agora debaixo de ti, a que nos faças compreender a verdade: assim revestido desse corpo monstruoso.Klossovski/Le Baphomet



Se tenho um gosto, não é outro que pela terra e as pedras. Comer o ar, a rocha, os carvões, o ferro. Rimbaud/Fête de la Faim





Mas não te culpes, porque logo virão: o sangue coagulado, a cicatriz e a cicatriz ficando branca, embranquecendo embranquecendo, Tu e Eu logo esqueceremos as tuas unhas ainda há pouco cravadas no meu Rosto. vFcecim/Aqueles dois, Ali





Pergunte ao Pó


John Fante





No fim da fileira de barracas, a areia da praia começou. Além, estavam as dunas. Caminhei afundando os pés na areia até um lugar onde as dunas escondiam o passeio de tábuas. Aquilo requeria alguma meditação. Não me ajoelhei; sentei-me e observei as ondas comendo a praia. Isto é mau, Arturo. Você leu Nietzsche, você leu Voltaire, deveria saber. Mas o raciocínio não ajudava. Eu podia me livrar daquilo por meio do raciocínio, mas não era o meu sangue. Era o meu sangue que me mantinha vivo, era o meu sangue que corria por meu corpo, dizendo-me que aquilo era errado. Fiquei sentado ali e entreguei-me ao meu sangue, deixei que levasse nadando até o mar profundo dos meus primórdios. Vera Rivken, Arturo Bandini. Não era par aser assim: nunca fora para ser assim. Eu estava errado. Cometera um pecado mortal. Podia equacioná-lo matemática, filosófica, psicologicamente: podia prová-lo por uma dúzia de maneiras, mas estava errado, pois não havia como negar o ritmo quente e compassado da minha culpa.Doente na alma, tentei encarar a provação de buscar perdão. Mas de quem? De que Deus, de que Cristo? Eram mitos em que eu certa vez acreditara e agora eram crenças que eu considerava mitos. Este é o mar, e este é Arturo, o mar é real e Arturo o considera real. Então me afasto do mar e, por toda parte onde olho, vejo terra; sigo caminhando e a terra vai se estendendo até o horizonte. Um ano, cinco anos, dez anos e não vi o mar. Digo a mim mesmo, mas o que aconteceu ao mar? E respondo: o mar está ali de volta, de volta no reservatório da memória. O mar é um mito. Nunca houve um mar. Mas havia um mar! Eu lhes digo que nasci à beira-mar! Banhei-me nas águas do mar! Deu-me alimento e deu-me paz e suas fascinantes distâncias alimentaram meus sonhos! Não, Arturo, nunca houve um mar. Você sonha e deseja, mas atravessa a terra desolada. Nunca verá o mar de novo. Era um mito em que certa vez acreditou. Mas tenho de sorrir, porque o sal do mar está no meu sangue e podem existir dez mil estradas sobre a terra, mas nunca irão me confundir, pois o sangue do meu coração sempre voltará para a bela fonte.

Bach: Quantas Asas

Vicente Franz Cecim
















Em hebraico, a palavra Queda também poderia ter sido traduzida para as outras linguas como: Mudança de Estado, seu Outro significado. E se diria, não: - O Homem caiu. E, sim: - O Homem mudou de estado. A primeira tradução é a do Temor, a segunda, a do Jogador. A etimologia permitia as duas. Não se entende a opção humana autoopressiva pela segunda. Bach ignorou uma perda do Paraíso e nele permaneceu e se Tornou um Portal de regressos momentâneos para cada homem que naquele exato momento está ouvindo sua música, mudado em estado de Inocência Viva. - Quem tiver ouvidos, ouça.















Ave, Bach.











18 de agosto de 2009

Para abolir os lances de dados

Vicente Franz Cecim






























unes com a Asa o Vento e a Árvore

e Agora dás adeus a ti, no Escuro


Há Água e Fogo e Terra e Ar
e a Música a Voz

que fala o que nenhum homem ainda Se disse







oO Eu



criou a Si


e ao seu redor a Esfera o Círculo a Vida


e a Multidão da Semente





Estás na Aurora do teu pensamento


oO d eu s
tem muitos eus

nossa habitada Constelação de Ser

seu Fruto e Cinzas


a Tua Criança Invisível



16 de agosto de 2009

não dizerSim

Vicente Franz Cecim






infinito é o que está Dentro in


terno?






Pois não magoas


esta Paisagem






Paraíso






que sem rancor acolhes sob os Cílios, ex




terna






na Pedra da Meditação


em que Te dormes



e te vê



um Horizonte todo em torno de Miragens,





sobre a Terra

15 de agosto de 2009

Lévinas: O Rosto: o Mesmo no Outro
























a-Deus


O rosto fala. A manifestação do rosto é o primeiro discurso. Emmanuel Lévinas


























Lévinas 1906, Lituânia :: 1995, França

vFcecim:

- odradek, OdradeK. Tu dormes?



Odradek:



-



vFc:



- Olha, vê, são livros. Estas coisas, humanas, que pretendem falar como gente mas sendo coisas que com a boca são outras as que se diz.




Odradek:



- #



vFc:




- Porque manténs fechados os olhos, vê ao menos as capas. Estou aqui cercado por eles, sitiado, com Lévinas, o Emmanuel, seus: Ensaios sobre a alteridade & Humanismo do outro homem & De Deus que vem à idéia & Totalidade e Infinito & Deus, a Morte e o Tempo & Quatro leituras talmúdicas. Mas não acho mais o livro dele Da Existência ao Existente, do meio desses, se foi. Odradeck, se achares algo morto-vivo imerso na Penumbra luminosa aí debaixo de tua casa-escada da minha casa



Odradek:




-



vFc:



- me entregas? Será ele.




OdradeK:

- #




vFc:




- Lévinas, ah, faz uns últimos anos eu vivo indo e vindo a ele. Sabes o que ele foi fez pensou tentou saber e nos dizer? Nem te interessa, nada? Mas então te digo falando comigo mesmo, e me dito a ti: - Ele se opôs à tendência à dominação tão absoluta do ser de Heidegger inicial mas que no fim já dizia, ele, H: - O homem só chegará ao ser passando pelo não ser - e àquela Metafísica que só quis buscar um além-sem o humano, deixado para trás, em Queda, como o homem de fora diante das Portas da Lei do Paraíso, e trouxe tudo de volta para o aqui, agora e o humano - diante do Rosto do outro, ele diz, encontro a Significação de existirmos: não a minha só nem a dele só: o Rosto me traduz e remete à relação do Mesmo que sou com o Outro que o outro, a partir do seu Rosto, é - e isso deveria ser uma reciprocidade oniconsciente, ele propõe - porque os Rostos estão diante de todos nós, uns dos outros, mas nós não vemos nos rostos o Rosto que cada um contém e, fundamentalmente, é. Isso é um esboço do que ele propôs via Filosofia. E eu lembro, agora, aquela seita tão antiga que não lembro o nome e que dizia que cada Rosto era uma Letra no Alfabeto de Deus, nos falando. Ah, certamente ele, Lévinas, mescla a Cabala, judaica, a mística judaica, com a fenomenologia bem exatamente desde Husserl e seguindo seu caminho através da ontologia do Heidegger - ora, estudou com os dois, foi contaminado por eles - e os elefantes são contagiosos, dizia Dadá - e ele era judeu



OdradeK:



- #





vFc:




- sim, como Kafka, ah, já entendo os grunhidos do teu silêncio, OdradeK. E, agora, por K, pareces que algum interesse nasceu em ti, cintilou por instantes? Mas já se apagou? Então, aproveito e te digo: Lévinas passou anos em campo de concentração: viveuviu a perda total de sentido do humano nos não-Rostos dos assassinos de Hitler e dos judeus se reduzindo à humilhação do abandono da carne até os Ossos - como se diz: Pele e osso, e mais: uma Indiferença dos seus carcereiros por esse desnutrir que de tantos deve ter avançado des-nutrindo - não des-truíndo: a Imortal, porque sendo não é nesse sendozinho em que somos - até as suas fronteiras, dAquela que por não saber O Nome e se tem um, chamamos Alma. Todo esse tempo ele conta, dele nos fala, do seu aprendizado fatal em seu primeiro livrinho: Da Existência ao Existente. Escreveu sentindo após desde sua permanência na outra Casa dos Mortos de Dostoiévski. Quando saiu dos campos de concentração, e então agora, eis, Lévinas esta desperto para uma Luz que nem Huserl nem Heidegger haviam acendido plenamente nele e sobretudo Ad-vertido contra a in-diferencia, a di-ferença que ignora a diferença do outro e o tédio mortal do eu-paramim, em mim, sem considerar o Outro. Ah, Odradeck, e ainda de judeus: Isso isso tudo passa um tanto pelo Eu e Tu do Buber também. mas é o Rosto o essencial no despertar de Lévinas, em sua filosofia. Claro, é um novo Humanismo, mas é um humanismo diferente do tradicional rigoroso, não, esse é um Humanismo bem lúdico, e nele o Ser se assume é no Ente e qualquer Transcendente só é admissível no agora & no humano, partindo dele e a ele regressando: - O Ecoante Ente Humano, então, no Uni-verso das coisas, na Vida. Repara, bem claramente aí na sombra da tua escada onde te falo e não me escutas: - Mas não se limitando ao humano agora, só o evidente, embora partindo dele, do quase o objetohumano dos corpos judeus sendo destruídos, corpoconsumido, pelo humano neles objetivado e objetivador dos matadores de Hitler. Não, Lévinas apela, exige, demonstra: - Esse humano, já, agora, diante mim - que é, segundo ele, o único ponto de partida válido para se chegar ao Homem por ser o único ponto de chegada válido a atingir, o: o Encontro. Assim ele, Lévinas, se opõe à metafísica anciã de um além-sem-ninguém e estranho ao homem no humano. Aquele: - O que fizeste para ir além do homem, de Nietzsche, é um humanizar para melhor pela superação, Lévinas quereria o mesmo pela regressão ao menor no homem, o Ente no Imediato. Seja um ser - ele parece nos dizer - para a morte, como Heidegger andou falando nos seus começos - seja para a vida, desses todos Lévinas insiste que só se sendo no Rosto do outro é, seria, fosse, sendo, a vida Real - pelo menos a vida ética desejável. Ah, Odradek


Odradek:



- ¨¨¨¨

vFc:

- Lévinas faz uma espécie de, digamos por dizer: existencialismo ético, mas sobretudo parece ser o inverso: uma ética existencial, de conduta, percepção e responsabilidade ir-recusável pelo Outro, um ir para o Outro. Um Impulso, o Único que fosse Caminho. Ele sabe que a vida dos homens não é assim, generosa, nem na ânsia metafísica nem na situação ontológica, que a Própria Vida não é assim, a imperfeita e dura e inquietante, inquieta. Por isso, ele, L, insiste em que o viver precisa - única chance para o homem - ser uma: - Ética conduzindo um Existir, e não o contrário. Porque no contrário o homem será sempre o semRosto submetido às carências, necessidades, os Medos nos rondam, odradek - deixa que te diga sem que nada nos ouça

Odradek:

- ¨#¨


vFc:


- Odradek? Odradek? Estás sempre dormindo, Odradeck, ou despertaste pelo tempo de um cílio se abrindo, que eu nem vi, e foste adormecendo novamente ouvindo a minha voz - vazia de interesse para os ouvidos Ocos antros nas extremidades do teu ser carretel novelo. Ah, odradek, retornado aos teus novelos e agulhas, ó ser tripé


OdradeK:


-

vFc:


- Enquanto dormes, e não me escutas, eu ainda digo: - Apesar da Luz do Rosto, não conseguiremos jamais esquecer a voz de Sartre, insistindo: - O Inferno é os outros. Dizendo: - O homem é uma paixão inútil?


OdradeK:


-


vFce:


- Oh, Bartleby Odradek, oh Humanidade. Prefiro não fazer, Merville.





Diálogos com Odradek: II Temor de ser neblina



















Vicente Franz Cecim




13 de agosto de 2009

Ilusão das Sedes

Vicente Franz Cecim





agora, diante de ti está o Muro


que não existe



Construção mental


que esmaga



Mas teus cabelos, Antro de Musgo que te sonha, ainda sentem falta

das ramagens longas, das Ascenções


e da Floresta,


onde os teus Passos esmagando insetos, mas te apoiando com Ternura nas Sementes,



te dizem:


que logo virá o Limo sobre a Pedra cravada nos teus Olhos




Pois continuas lá, e a Fonte e o Fruto,


ainda Lá,



Agora



8 de agosto de 2009

Uma descida ao coração dos elementos




K O escuro da semente
de Vicente Franz Cecim

Por António Cabrita

Jornal Expresso, Lisboa



Previamente, convém dizer que comentar este livro é
um desafio similar ao do mudo a quem se pede para
descrever o mel, visto que não há paráfrase que
restitua o que é do domínio da experiência
e ultrapassa a razão discursiva.
Nos Livros de Andara, que, mediunicamente,
Vicente Franz Cecim, o poeta da Amazónia,
“transcreve” desde 1979, e de que “K O escuro da semente”
é a quarta súmula, a aventura da escrita dá-se como real
“in status nascendi” e o fito (talvez desde “Ó Serdespanto”)
é testemunhar a passagem do relator a
um outro nível da consciência, a esse limiar
que a acedemos“, homens, depois das palavras”
(o poeta não se refere ao pós-morte, previna-se, mas
ao “não-mental” do budismo, ou da “Nuvem” de Ibn Arabi),
e onde o múltiplo, experimentada “a alegria de ser breve”,
retorna ao Um, ao Uno. A dificuldade de leitura deste livro
(que nos recoloca na orbita de Mallarmé, Michaux, Artaud,
Llansol, Edmond Jabès, de Gunnar Ekelof, e de
outros “místicos” ou gnósticos da literatura) e da transmissão
sobre aquilo de que trata, resulta do mesmo não nos falar
a partir de um “universo de representações”, colocando-nos
na fronteira de uma realidade não-dual, de
uma outra gravitação onde o quotidiano não tem campo.
Dificuldade que se traduzirá no silencio que acolheu
a edição deste livro depois do anterior ter sido considerado
um dos melhores do ano. É um livro que irradia,
que opera em si a metamorfose que anuncia (form
things, not the content, diria Charles Simic).
Em lendo: “o omem de areia se desfazendo,
Forma h/ umana (pag. 284)”, vemos como a grafia,
ao transferir para o fim da linha o agá de homem,
presentifica a energia (o vento) que subjaze à mutação
do ser. É um livro recursivo, difícil, que exige disponibilidade
e atenção, e que reflecte um olhar despido da carapaça
antropomórfica: “Pois sendo os nossos nomes os mesmos,
só as letras sido trocadas (pag. 295)”, o homem é ave,
pedra branca, serpente, Oniro, Caminho, círculo e seta,
flagrada residência temporal. Nascido desta visão “trans”,
o livro faz-nos participar de uma descida ao
coração dos elementos e ilumina o “Vazio que neles transborda”.
De certo modo, “K O escuro da semente”, prolonga o diálogo
entre Pai e Filho que se lê em “Chandogya” (um dos
Upanishades) e no qual um pai pede ao filho para
partir o fruto e as suas sementes e lhe descrever o âmago.
Quando o filho responde que “lá dentro não há nada”,
o pai replica: “Meu filho, dessa mesma essência da
semente que não consegues ver, desse essência invisível,
vem, na realidade, esta frondosa árvore. Tu és Isso”.
(Reabro o livro na página 15, leio a dedicatória:
À Areia /de que somos feitos”, e verifico que na dobra
da página existem grânulos brancos, como de areia.
Examino-os, levo alguns à boca: são de açúcar, do café
que tomei a última vez que peguei em “K...”, resíduos
do rompimento brusco do pacote. Será uma coincidência
– uma sincronicidade, diria Jung – mas
registo que esse depósito de grânulos não escolheu outra
página para se manifestar. Essa coincidência operou
uma auto-profecia – simbólica -, fazendo uso de grãos
similares aos de areia. Até na leitura mimetizei o processo
de que o livro dá conta). Cecim, como outros autores
na sua esteira, escreve sempre o mesmo livro sob um
novo ângulo, numa busca do que é mais conforme à fonte.
As figuras, os topoi, as metáforas que se apresentam
neste longo poema já estão presentes
nos anteriores: o homem a quem crescem asas nas costas,
a mão que toca o céu cheio de estrelas, a areia de que somos
feitos, o diálogo dos alimentos do ser, ou a noção de que
“um animal é uma falta de tudo para sempre”.
“K O escuro da semente” ergue-se então como um novo
andamento na sinfonia. Qual é a novidade? Talvez preceda
deste tópico, encontrado na página 106 do anterior
“Silencioso como o Paraíso”: “Tantas vozes// Essas vozes,
entendam, se elas querem vir assim/ São vozes da terra, e irão se
misturando aos poucos, até que tudo unido num só sopro”, pois “K...”
torna explícito um “procedimento coral”, sendo este, mais
que os outros Livros de Andara, uma pauta onde a música pede
intérprete. Aliás, o livro, numa promessa de sinestesia, oferece
uma chave cromática para a (ilusória, visto
que não passa de um encantamento rítmico,) disjunção
das vozes. Não deixe de as ouvir.

Moçambique, Portugal, 2006

K O escuro da semente (Ver o Verso, Maia, Portugal, 2005) é o segundo livro de Vicente Franz Cecim,
criador de Viagem a Andara oO livro invisível, lançado em Portugal. Em 2001, a editora portuguesa
Íman já havia publicado seu Ó Serdespanto, que a Bertrand Brasil lançou no Brasi em 2006.

António Cabrita, poeta, crítico e editor português, atualmente reside em Moçambique.

6 de agosto de 2009

Passo em sonho

Vicente Franz Cecim




A Construção de Carne está nas Trevas



e um Silêncio Branco




ressoa em toda parte: o





Ausente
permanece





o que deixam seus Ossos com sons de flauta
para a Música


e o Vento da Vida







Nós não somos um cortejo de Ruínas
nós não somos Nós


não somos os que vieram atrás do Manto
revestido de algas
celebrando o Encanto e o Musgo
que a Água dos Olhos não lava Nós
não permanecemos

indistintos



na Paisagem dos Crepúsculos Nós não



tememos


a nossa Fome das Auroras
nossa embriaguês de Vinho Pálido


enquanto passamos, e passamos,


exatamente



Agora














Seiva

Vicente Franz Cecim



aquela que Devora consolando

foi embora



nenhuma Ausência mais será sentida

































Kafka: Desenhos





Respirando face a Face



























Vicente Franz Cecim






Quando a Mãe se ergue na Alvorada,




quanta Espessura no sutil

quanta Presença no vazio



que contém



a mão dentro de Si, oculta de si mesma






Oco e Noite Esfera



da Espécie






Uma estrela desliza nos teus Olhos



buscando a Origem da Luz

em pleno Dia






De Rastros, animais imensos mais antigos

te dizem que já foste e estás Aqui, escuro



4 de agosto de 2009

Canção dos gestos

Vicente Franz Cecim





























Fulgor sem cinzas a lamentar, e não há sede, não há Sede




Acende o teu Musgo de Luz que o Corpo de Limo



re

veste






E te espera


mais Puro



que um Príncipe de pedra