25 de outubro de 2009

Compaixão/Visto no vazio


Vicente Franz Cecim



E então entendes:


que tudo que Passa se sonha um Eu,

e todo ser neblina quer Ser



E essa é a Origem

da Lágrima





















Um passo antes das Cinzas


Vicente Franz Cecim



Bastante silencioso

e Ausente

mas caminhando através de Onde em si há Ninguém



Um olhar mais fechado, para ser Amplo para acolher a
Constelação
que não cabe nos olhos
para não esquecer que é alguém

onde não há ninguém


E a Gotejante, ouçam: Está chamando, a cada um
pelo seu Nome
a Cada nenhum nome que não Diz

Ali,


onde a Fonte mais transforma Luz em Sombras






















Huineng: Onde pode se acumular o pó?


Quando Shenxiu escreveu este Gatha no muro no mosteiro:


O Corpo é a árvore de Bodhi,
a mente é um espelho brilhante.
Com cuidado a limpamos continuamente,
sem deixar que o pó acumule.


Huineng respondeu com este Gatha:


Bodhi não é uma árvore
nem a mente um espelho brilhante
Já que tudo é vazio em essência
onde pode o pó acumular?



Quando certa noite alguém expôs a Huineng o Sutra do Diamante, de Gautama Buda, ao chegar à passagem que diz para usar a mente e ao mesmo tempo estar livre de qualquer apego, Huineng experimentou a iluminação, percebendo que todos os Dharmas são inseparáveis da essência dos seres, e exclamou: - É maravilhoso que a natureza essencial seja originalmente pura! É maravilhoso que a natureza essencial seja não-nascida e imortal! É maravilhoso que a natureza essencial seja inerentemente completa! É maravilhoso que a natureza essencial nem se mova nem seja imóvel! É maravilhoso que todos os Dharmas procedam desta natureza essencial!




Huineng, o Sexta Patriarca Zen,
corta bambu.

16 de outubro de 2009

Sim, essa é a Voz de Andara

Vicente Franz Cecim





Onde a Literatura não é praticada como Vida e a Palavra não é praticada como Ontologia, por ressecamento da Saiva das coisas, se dá que a ave é a ave dita, e não mais como o que seja em si quando calada. Não dita.


- E como é a Voz de Andara?

- Há, nela, a noite noite. A ave ave. A água água. O sentir sentir.

Com o que se enuncia, insistindo, a coisa ou ser ou idéia ou sentimento. E essa repetição realiza a recirculação da Saiva que dá vida à coisa amortecida na palavra que somente indicia.

E sé dá outra forma de repetição, que além de persistente, é transfiguradora, assim:

A noite Noite, ou a noite: a Noite. Aquele vento: o Vento.

Com o que tudo - coisa, sentimento, visões, hipóteses - sobretudo coisas - se tornam Entes, Entidades - saem do anonimado da espécie e do gênero - ave, peixe, pedra, noite - e se tornam entes individuais Em Si - assim: a Noite não é qualquer noite - e Aquela Ave, não é qualquer ave. Nem a Pedra. qualquer pedra.

Podendo, ainda, em um passo mais projetado sobre vazios e plenitudes, se repetir a repetição de maneira a se enfatizar tanto a coisa profundamente em ente - noite, noite - e como sua transmutação - noite Noite - em Ente se dirigindo a Ser , assim:

- A pedra pedra: a Pedra. Aquele céu céu: o Céu. Naquela noite noite: A Noite, na Noite.

Que passos ainda a dar sobre esses, já dados, os deixando para trás, uma vez que cada novo passo, na Viagem a Andara, tem - Sim, o poder de confirmar e projetar sempre mais adiante a extensão a percorrer de Vazios e Plenitudes?




Sim, é essa a Voz de Andara.










7 de outubro de 2009

Cantos de Serdespanto Vicente Franz Cecim




I


DEVER DE NUTRIR AS SOMBRAS

uma construção em forma de círculo
Por que chamada a Casa da Vida?
Caminhos que dão voltas, onde não se encontra
ninguém
Ninguém
que seja alguém A Companhia
Como empalideceu o grão, aqui,
agora que caiu
para crescer da terra,
órfão de uma estrela que se apaga na chama
de uma vela
Como teme
o rugido
da noite encerrada em si mesma o animal
que adormeceu
sem resolver o enigma
Uma construção em forma de círculo
onde homens-pássaros
com asas de pedras, impedidos de voar,
perseguidos pelo vento
e a ameaça das sementes,
ouvem no ninho das coisas nascidas de coisas nascidas
um voz que recita: Isto passará
Esse é
o grão da má sorte
uma construção em forma de círculo
Em forma de homem
abraçado a si mesmo,
como dois irmãos que se quisessem bem
Frágeis como a linha do horizonte
e o murmúrio das cinzas e das fontes


DEBER DE NUTRIR LAS SOMBRAS

una construcción en forma de circulo
¿Porqué se llama Casa de la Vida?
Caminos que dan vueltas, donde no se encuentra
nadie
Nadie
que sea alguien La Compañía
Como palideció el grano, aquí,
ahora que ha caído
para crecer de la tierra,
huérfano de una estrella que se apaga en la llama
de una vela
Como teme
el rugido
de la noche encerrada en si misma el animal
que se adormeció
sin resolver el enigma
Una construcción en forma de circulo
donde hombres pájaro
con alas de piedra, impedidos para volar,
perseguidos por el viento
y la amenaza de las simientes,
oyen en el nido de las cosas nacidas de cosas nacidas
una voz que recita: Esto pasará
Este es
el grado de mala suerte
una construcción en forma de circulo
En forma de hombre
abrazado a si mismo,
como dos hermanos que se quisiesen bien
Frágiles como la línea del horizonte
y el murmullo de las cenizas y las fuentes


II

PARA ADORMECER AQUELE QUE VELA

Há montanhas em sonhos
tão antigas,
onde sonham
os grãos da areia que te sonha
O que sobrevive na hora
que apaga a última claridade?
De quem faz a Noite a vontade?
Dia ou homem,
uma túnica de rancor é o que eles vestem,
e as montanhas vêm rugir
Caladas
Se veio o Tempo,
é que é tempo de colher sob as estrelas
o centeio negro com mãos mais brancas, caiadas

PARA ADORMECER A AQUEL QUE VELA

Hay montañas en sueños
tan antiguas,
donde sueñan
los granos de la arena que te sueña
¿Qué sobrevive en la hora
que se apaga la última claridad?
¿De quién hace la Noche su deseo?
Día u hombre,
una túnica de rencor es lo que visten ellos,
y las montañas rugen
Calladas
Si veo el Tiempo,
es que es tiempo de coger bajo las estrellas
el negro centeno con manos más blancas, encaladas


III

A IMPACIÊNCIA DAS SEMENTES

O laço estava armado E o sol se pôs,
com um rumor escuro,
para que o animal conhecesse a armadilha,
para que a armadilha conhecesse o animal
Quantas vezes eu
esperei por ti, minha Sombra
e em mim nenhum passo foi dado que anunciasse a
Tua chegada
Para que haja um espírito, as florestas cantam ventos
Existe uma árvore rara
dando seu fruto à vida
E ninguém sabe porque
os sóis brotam todo dia

LA IMPACIENCIA DE LAS SIMIENTES

El lazo estaba armado Y el sol se puso,
con un rumor oscuro,
para que el animal conociese la trampa,
para que la trampa conociese al animal
Cuantas veces yo
esperé por ti, mi Sombra
y en mí no se dio ningún paso que anunciase
Tu llegada
para que exista un espíritu, las florestas cantan vientos
Existe un árbol raro
dándole su fruto a la vida
Y nadie sabe porquélos soles brotan todos los días


2 de outubro de 2009

Curso: O Ato de Criar Vicente Franz Cecim

O Método Dialético e o Caminho do Meio


















Jornal DIÁRIO DO PARÁ 29 Setembro 2009
Escritor fala do ato criativo

Após o sucesso do seminário “Paisagem Interior - Processos Criativos em Literatura & Vida”, o escritor Vicente Franz Cecim dá continuidade ao tema com a palestra “O Ato de Criar - O Método Dialético e o Caminho do Meio”. O encontro acontece amanhã, no auditório do Instituto de Artes do Pará (IAP), com entrada franca.

Em “Paisagem Interior - Processos Criativos em Literatura & Vida”, Cecim abordou a importância dos processos criativos tanto na arte quanto no cotidiano. Desta vez ele fará um panorama sobre o ato criativo das mais diversas linhas de pensamento, tanto ocidental como oriental. “Falo da criação como um todo, não só em arte, mas como ela influencia nas tomadas de decisões, nas relações humanas e na vida pública e privada. Faço a pergunta: você vive passivamente ou criativamente? Se você for criativo, tudo o que vier para você é um desafio”, diz Cecim.

Para provocar esta reflexão, Cecim divide a palestra em dois módulos: no primeiro, abordará todo o processo criativo no Ocidente, tendo como base o método grego, matriz do pensamento ocidental, passando pelos temas Parmênides e Heráclito, Dialética, a Intervenção e Alteração: a Vida como Matéria Prima da Criação e a reflexão final “A Rosa fulgurante de Tennyson & O Erva humilde de Bashô”.

No segundo módulo, o escritor abordará a criação no Oriente, abordando Lao-Tsé e Chuang-Tsé, o Tao e o Caminho do Meio, Observação e Adesão: a Vida como Fluxo e Unidade com o Criador e a reflexão final “Buda e a Figueira & Cristo e a Cruz”.



SOBRE O ESCRITOR

Vicente Franz Cecim recebeu em 1980 o prêmio Revelação de Autor da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte e o Grande Prêmio da Crítica da APCA em 1988, nessa década atribuído também a Hilda Hilst, Cora Coralina e Mario Quintana e ganhou menção especial no Prêmio Literário Internacional Plural, no México, em 1981. É autor de 15 obras que integram o ciclo de romances “Viagem a Andara, O livro invisível”, tais como “A asa e a serpente”, “Silencioso como Paraíso” e “Ó Serdespanto”, elogiado por Eduardo Prado Coelho, um dos principais ensaístas portugueses, e eleito um dos melhores de 2001 pelo jornal O Público, de Lisboa. Seu segundo livro lançado em Portugal, em 2005, foi “K O escuro da semente”.
Vicente Franz Cecim lançou em 2008, pela editora Tessitura, seu mais recente livro, “oÓ: Desnutrir a pedra”. Nesta obra, o autor aprofunda sua demanda de uma nova escritura, mesclando palavra, silêncio da página em branco e imagem. Hoje, atua como gerente de Artes Literárias do Instituto de Artes do Pará.

SERVIÇO
Seminário “O Ato de Criar - O Método Dialético e o Caminho do Meio”, com o escritor Vicente Franz Cecim. Amanhã, das 17h às 20h, no Auditório do IAP (Praça Justo Chermont, nº 236 - Nazaré - ao lado da Basílica). Entrada franca. Informações: 4006-2909 / 2905.

Curso: Paisagem Interior Vicente Franz Cecim








Processos criativos em Literatura e Vida












Processos criativos em Literatura & Vida. O que é isso?
O seminário Paisagem Interior será ministrado pelo escritor Vicente Franz Cecim, também gerente de Artes Literárias do IAP, e abordará a seguinte questão: É possível que qualquer pessoa, não necessariamente um artista, crie seu próprio mundo interior, como um escritor cria o seu, em sua obra. E possa estruturar todo um modo de vida e de valores, para aplicá-lo em sua própria vida cotidiana?
Cecim afirma que sim. E explica: - O poder e a liberdade da Imaginação são ilimitados,e o escritor os usa para criar sua Paisagem Interior, que irá aplicar, através de seus livros, ao mundo exterior.Com isso ele reverte o padrão a que as pessoas, em geral, estão submetidas: o de serem moldadas, condicionadas, conduzidas, limitadas em sua liberdade,de fora para dentro,pelas imposições e pressões das vidas,que as cercam.
Segundo Cecim, o seminário irá examinar esses processos criativos, na arte e sua aplicação na vida – empregando um meio comum a ambos: O Imaginário – tomando por base a Literatura e as práticas do Zen, culminando no entendimento do mundo como matéria moldável, não rígida,que pode servir de matéria prima para qualquer pessoa, assim como serve ao escritor.

I – KAFKA: A Vida via Arte
Este primeiro módulo, de abertura do seminário, toma como referência o exemplo de Franz Kafka, e vai investigar como o grande escritor transformou sua vida via literatura, através dos livros que escreveu (o Processo, O Castelo, A Metaformose, O Desaparecido) e, através de sua arte, incorporou e moldou suas existência, vivendo via arte, a partir de sua célebre declaração: - Só a Literatura me interessa

II – ZEN: A Arte via Vida
O segundo módulo faz o percurso inverso. Nele, o Zen é a referência de como a arte pode ser usada para transformar a vida. Nascido do Budismo indiano mesclado ao Taoismo chinês, em vez de usar escrituras o Zen se utiliza de formas de arte para transmitir saber aplicáveis à vida cotidiana: a Poesia, a Pintura, a Arte do Arco e Flecha, da Espada, da Cerimônia do Chá.Aqui, se verá como a arte, nascida da sensibilidade subjetiva, pode guiar os passos das pessoas no mundo objetivo.

III – O VÉU DE MAYA: O Homo Ludens e as Miragens do Real
Cecim se diz consciente das dificuldades que terão que ser eliminadas, para que as Paisagens Interiores possam ser geradas por cada um, escritor ou não. Ele diz: - Certamente as pessoas se sentem inibidas diante do que chamam realidade – que se torna, na verdade, uma irrealidade ao ser confundida com Civilização, Cultura, normas, convenções, regras, punições e recompensas. Vista assim, a realidade lhes parece espessa e irredutível a qualquer submissão nascida de suas subjetividades. Se impõe a elas. Mas o criador, o artista, sabe uma coisa que o seminário deverá passar, neste seu último módulo, para obter alguma eficácia: a chamada realidade é tão real externa quanto internamente. Na verdade, é, sempre, a realidade interior de cada um que vai ao encontro da exterior, coletiva. Por fora, o mundo é representação que o homem faz do mundo, como o artistas representa um mundo em sua obra. Assim entendida, como uma projeção de ilusões, que os Vedas chamavam de Véu de Maya, começa a ser vista a possibilidade de moldá-la de dentro para fora. Mas quem fará isso? Ali onde falhou o Homo Faber, que apenas formatou o mundo, e falhou também o Homo Saphien, que até agora tem tentado uma compreensão da Vida que permanece inatingível, deve emergir um terceiro estágio humano, evolutivo no sentido de atingir cada vez mais uma liberdade, não domada, mas domante: o Homo Ludens. Aquele que sabe a vida como jogo e se sabe jogado. Com um pé no real, outro no sonho e um terceiro, o mais importante, na liberdade da criança – é nele que se deposita a esperança da realização de uma Arte de Viver, ao vivo,gerada no interior de cada um, como um mundo de romance se gera interior do verdadeiro escritor e sai para o mundo com autonomia sobre a realidade ao nosso redor.