28 de junho de 2010

Ian Curtis: Atmosphere



Diálogo Virtual

MSN - RG diz em 26 de junho de 2010 (13:32):

Tenho algumas questões sobre Ó Serdespanto, é um grande livro. Brota do escuro da terra, do silêncio, como todas as grandes obras, e não da luz como acreditavam os iluministas. Fiquei muito feliz e instigado durante a leitura, que tão cedo não tem fim.

MSN - vFc diz (13:35):

É, sem fim - o Espanto do Universo não tem fim - se tivesse, fenecia - seria queimado pois uma Luz, tão plena que clareando todos os recantos, dissolveria o Espanto, a Vida? Por isso: Ó Serdespanto. Por isso toda Andara demanda o Lugar da Penumbra - descobriu que o Claro oculta o Escuro que Oculta o Claro e que a Penumbra acolhe ambos, e nEla se vê tanto no Claro quanto no Escuro. Ou nada. Andara sendo isso, o que mais seria - há o espelho suspeito da Vida que se vela se mostrando. Falaremos mais disso.

MSN - RG diz (13:40):

Para acompanhar a leitura de Ó Serdespanto, estou lendo O Ser e o Nada, Sartre, e Ser e Tempo, Heidegger, estes livros têm me ajudado bastante. Tu poderias indicar mais algumas leituras que possam me conduzir ao Escuro da Semente?

MSN - vFc diz (13:43):

Tu mesmo, em ti: faz Pausas - cai em Vazios - perde tudo durante uma duração - te imerge todo no Todo, onde já estás, aliás - vê os Vários no Um - percebe que és pequeno um no Um grande e um dos vários no Varios. Isso. Os livros podem ou} desvelar ou} velar ou} dar apenas um primeiro impulso e deixar o Ser sozinho com a sua semente de não-Ser.

Mas se queres outras companhias humanas seguras, complementares, busca Parmênides e Heráclito e te situa bem no Centro do que apenas parece dividir o Ser Imóvel de Parmênides e o Ser Móvel do Heráclito

Mas se encostar numa Árvore ou ficar olhando as Estrelas enquanto o Tempo passa, pode agir mais Repousando mais dentro de ti.

23 de junho de 2010

Ao Ser em sua Clareira



. À divindade agrada o jogo de criar, a criatura é o seu gosto de brincar, diz Angelus Silesius. Está em Silencioso como o Paraíso, livro de Andara.
. Assim, também. A vida vivida é real, mas a vida escrita não é real.

. Para que serve então a vida-escrita?
. - É um instrumento, para ver, tentar abrir, dobra a dobra,
. insistindo
. a vida real

. E por que alguém escreve?
. Para isso, o que foi dito acima, tentar abrir, dobra a dobra, insistindo



Fragmento de: Ó Serdespento/Viagem a Andara oO livro invisível/Vicente Franz Cecim

18 de junho de 2010

VISÕES DE ANDARA: Valério Fiel da Costa



Sobre esta peça: concepção, ensaios e apresentação


ENSAIOS
Parte do ensaio fotográfico realizado por Gabriela Canale em Paranapiacaba (SP) durante as filmagens de "Prólogo de Susto": parte filmográfica da performance "Visões de Andara":







VISÕES DE ANDARA
Valério Fiel da Costa e Gabriela Canale

Uma obra musical baseada no universo onírico do escritor paraense Vicente Franz Cecim sempre esteve nos meus planos desde 2004, quando, pela primeira vez, li um de seus livros. Nessa época fui apresentado a diversos autores da literatura paraense (Haroldo Maranhão, Dalcídio Jurandir, Paulo Plínio Abreu, Maria Lucia de Medeiros, Mario Faustino, Max Martins, etc), por amigos críticos literários de Belém. Apesar de paraense, nunca tinha prestado muita atenção à literatura do Pará e fiquei francamente impressionado com a sua qualidade técnica e riqueza criativa.
Vicente me foi apresentado nesta época e logo ficamos amigos. Li seus livros: A Asa e a Serpente, Animais da Terra, Os Jardins e a Noite, Terra da sombra e do Não, Diante de ti só verás o Atlântico, Ó Serdespanto, etc. Identifiquei-me imediatamente com sua escritura, com seu jeito de falar sobre qualquer coisa e em como isso se refletia naquilo que escrevia.
Cecim se ocupa desde fins dos anos 70 com a materialização (o desvelar) de uma série de livros: os livros invisíveis de Andara, a região onírica que às vezes é identificada pelo autor com uma “Amazônia transfigurada”, de onde surgiram diversos personagens-gestos cuja articulação com o espaço e com o tempo sofre o impacto de uma imaginação à deriva para a qual tudo ou nada pode acontecer. Cecim escreve como quem declama e o ritmo daquilo que se fixa ao papel geralmente está expresso no modo como os itens são dispostos na página. Se é necessário refletir sobre algo dito, há silêncio: silêncio como medida da importância das coisas; um raciocínio, porém, geralmente se completa sem interrupções formais, o que gera em sua continuidade acentos mais ou menos salientes. Na verdade não é a importância semântica de tais eventos que determinam seu peso no contexto e sim a mera ocasião de fixá-los: tem-se muito ou pouco a falar sobre determinado assunto, fala-se, cala-se, segue-se. Acontecimentos semi-autônomos que, no entanto, desempenham de forma eficaz sua função de levar a estória adiante. Uma estória em quadros em sequência que poderia muito bem serem permutados ao acaso e continuar funcionando como nexo de algo, mas isso se deve mais ao fato de serem parte de um mesmo fôlego, do que estarem implicados num minucioso projeto subliminar. Graças a isso não há em sua escritura a figura do clímax, pelo menos não como objetivo da trama: às vezes o narrador pode desistir de continuar, pode optar por dois finais alternativos, pode mudar de assunto, pode concentrar-se num momento especial e depois não fazer mais menção a este, pode deter-se longamente num objeto sem importância, pode interromper a narrativa para falar ao leitor em segunda pessoa, pode expressar no papel, inclusive, suas dúvidas a respeito do que virá ou deveria vir em seguida, como alguém que fala sozinho pelas ruas.
Cecim, logo na nossa primeira conversa, mostrou-se um entusiasta das idéias de John Cage. Ele soube que o compositor estadunidense vinha sendo um objeto de pesquisa frequente graças ao meu interesse por preparação de pianos, uso de operações de acaso e de aspectos de cessão de decisões aos intérpretes de minhas músicas. Se faz música, Cecim improvisa em transe; se faz cinema, deixa a câmera a filmar ao acaso e depois acrescenta algum detalhe. Isso me revelou, claro, muito de sua metodologia de escritura e me aproximou de suas coisas Por outro lado o que me aproxima de Cage é diverso, uma vez que seus procedimentos de acaso visam muito mais garantias de resultado do que a tão badalada deriva que proclama em seus textos. Minha poética está tomada por ímpetos desse tipo: o equilíbrio entre aquilo que se deixa levar e aquilo que precisa ficar como está. E todo um aparato técnico se faz necessário para que isso cumpra seus objetivos... tal qual ocorre em Cage, porém de forma mais ou menos dissimulada (mas isso é assunto para outra – longa – conversa).
Em “Visões de Andara” optei por usar como mote a sensação que me vem ao ler seus contos: estou em Andara, sofro seu impacto, mas, ao mesmo tempo, não consigo apreendê-la completamente em termos de contornos. As coisas acontecem e estamos dentro delas como num veículo à deriva: vozes soam, coisas surgem, ventos sopram, personagens vem e vão, mudam de nome, se perdem na bruma, morrem e renascem, são esquecidos, estão em todos os lugares, falam contigo e/ou te ignoram. Paira no ar um clima de mistério, de onirismo, que te envolve completamente. É bastante provável que aquelas figuras e situações sejam mesmo fruto de uns tantos sonhos do autor. O que é fantástico é que Cecim consegue transferir, para aquilo que escreve, aquele ‘lugar’ do sonho onde estamos sempre em perigo, onde, a qualquer momento, pode surgir uma fera que te devore.
A peça está dividida, não em movimentos, mas em camadas. São 3 ‘sets’ instrumentais: sintetizador + sons gravados; guitarra + sons gravados e objetos amplificados + sons gravados, tocados simultaneamente, sendo que cada um possui grande autonomia, no que diz respeito às suas regras internas, em relacão aos outros. Como cada set se encontra distanciado dos outros 2 no espaço de performance, e como suas informações sonoras são exclusivas, o ponto de fruição de cada ouvinte no espaço determina o que irá ouvir (que estória vai ouvir) de forma predominante. Ao mesmo tempo, o ambiente está saturado de informações sonoras dos outros sets gerando uma aura sonora dentro da qual ele se encontra imerso.
Tal qual os momentos de Andara, meus momentos são re-combináveis (a lá Stockhausen). De fato não segui um sequência linear para compô-los: escolhi para cada set um personagem, dividí-o em 6 aspectos relevantes e defini uma sequência de acordo com razões musicais. Cada aspecto é articulado por um ímpeto definido que vai do absolutamente suave e mântrico até o mais agressivo e mesmo violento. Quanto mais suave o módulo, mais material melódico usa e mais tempo para desenvolvê-lo o intérprete tem; quanto mais agressivo o módulo, menos notas e menos tempo para desenvolver. Esse foi o critério. Temos portanto uma sobreposição de ímpetos, referentes a cada personagem dentro de sua estória, deslocados no espaço e embaralhados no tempo.
Para garantir uma coerência geral (para que não saiamos do “espaço” delimitado), uso apenas uma escala diminuta: dó, ré, mi bemol, fá, sol bemol, lá bemol, lá e sí, para todos os sets. Os mesmos sons e combinações sonoras flutuando no ambiente durante 30 minutos.
Os personagens escolhidos foram 1) Caminá (Animais da Terra), a mulher alada que mora com Jacinto numa plantação de urtigas e que, presa a uma cadeira, sofre a cópula da floresta gerando um deus vermelho: set de copos de cristal, copos de vidro e superfície atritante que toco e que está posicionada no fundo da cena; 2) Nazareno (A Asa e a Serpente), o ressuscitado que retorna com seu caixão, se instala numa calçada em Santa Maria do Grão e é responsável por uma catástrofe miltar: set de sintetizador (Henrique Iwao), posicionado à esquerda e avançado (noroeste-leste) em relação ao público; 3) Rebanho (Diante de ti só Verás o Atlântico), o grupo não identificável de seres que, pastorados por Josiel/Sião Diadoné/Inácio Verena/Josiel, buscam fugir à enchente atingindo a ilha da salvação: guitarra (Mário Del Nunzio), posicionado à direita recuado (sudeste-oeste).
Para completar a cena, convidei a excelente artista visual Gabriela Canale para criar um cenário, figurinos e projeções cujo objetivo seria o de completar a imersão em Andara. Deixo que ela fale sobre o seu processo criativo dentro do projeto...



MAIS DO QUE NARRAR PERSONAGENS, PERCEBER UM ETHOS
Gabriela Canale

O que mais me interessa neste projeto é a possibilidade de propôr uma existência visual para a linguagem singularíssima de Cecim que equilibra poesia, fábula e romance. Para tanto criei uma obra audiovisual imersiva, um espaço em que os visitantes adentram o realismo fantástico de Andara - o mundo de fábula e letargia - através da porta da metalinguagem (como um aviso, um alerta de que se separa a ficção do real).
As imagens projetadas em duas telas propõem uma experiência sensorial que revela o ethos de imaginação, sonho e memória de Cecim que é apresentado em camadas que se descortinam lentamente para complementar as composições do Valério.
As sobreposições seguem livremente os acontecimentos do “prólogo de susto” de Ó Serdespanto (2006). As imagens são definidas por alguém que espreita o mundo de sabedorias vegetais. A proposta é criar um espaço imersivo, uma ambiência Andara. Este lugar se apresenta espacialmente como um lugar de Morpheu, em que a matéria vegetal, natural, literária e humana se presentificam com uma lógica outra, como num sonho mesmo, em um mundo de susto e descobrimento infantil em um mundo fabular, como a àrvore que conta aos três homens no prólogo de Ó Serdespanto. No nosso caso, os homens são os três músicos, que contam a fábula aos visitantes.




LINK PARA ENSAIO
http://www.ibrasotope.com.br/conexoes/pecas/peca/6/concepcao

10 de junho de 2010

Visões de Andara por Valério Fiel da Costa




Sobre esta peça: concepção, ensaios e apresentação


Vicente Franz Cecim refere-se às suas publicações como parte do livro visível de Andara dando a entender que há ainda muitos, talvez infinitos, livros invisíveis a serem revelados. O autor operaria como um receptáculo de informações oriundas deste universo paralelo que poderia ser entendido, segundo o próprio autor, como uma Amazônia transfigurada em região-metáfora da vida em que o sobrenatural emerge em epifania. Dentro dessa região fantasma que é Andara, proliferam entidades-personagens curiosos como o Cego Dias (Os Jardins e a Noite – 1981) que passa a ver-ouvir as mensagens do vento depois de ser cegado pelo misterioso pássaro Curau ou como a desejada Caminá (Animais da Terra – 1980) ser alado vinculado a uma plantação de urtigas cuja cópula com a natureza faz nascer um deus vermelho. É a partir do dado dessa translúcida invisibilidade de onde emergem tais seres-situações visíveis de Andara que pretende-se operar na atual proposta de obra.

Visões de Andara: A idéia poética desta cena musical é a de criar um ambiente de imersão que represente não uma sequência de eventos de Andara, mas que possa transferir o ouvinte ao seus domínios fazendo-o experimentar o processo de emergência de situações mais ou menos palpável dentro de tal contexto. É como se o ouvinte estivesse dentro de um barco à deriva onde, a partir de determinado momento, toda a expectativa a respeito do que virá em seguida é esvaziada sendo o mesmo impelido a fundir-se ao contexto sonoro-visual entendido agora como dado concreto e inescapável. É dentro de tal transe que ocorrerão os eventos significativos que transportarão o ouvinte para as entranhas de Andara: sons característicos, imagens projetadas sobre o espaço, sons gravados, textos, que surgem aos balbucios, configurando-se aos poucos como coisa inteligível, até conseguirmos ver a região metáfora com os nossos próprios (novos) olhos. O livro de Andara tornando-se visível diante de nós.



Valério Fiel da Costa nasceu em Belterra, Pará, Amazônia. Doutor em composição pela Unicamp, fundador do grupo Artesanato Furioso. Representante brasileiro na Tribuna Internacional de Música Eletroacústica da Unesco. Professor de composição da UFPB.








LINK http://www.ibrasotope.com.br/conexoes/pecas/peca/6/concepcao